Mesmo sabendo das dificuldades financeiras para continuar o
tratamento da filha Clarian, a bancária Maria Aparecida Felício de
Carvalho não pensou duas vezes. Usou o dinheiro das férias para comprar
um pequeno frasco de óleo de canabidiol. Logo após o início do
tratamento, a filha passou a ter rápida melhora, chegando à redução de
80% nas crises respiratórias e no número de crises da epilepsia severa
devido à Síndrome de Dravet. E quando acontece, a crise é mais branda e
rápida. As convulsões, diversas em um mesmo dia, passaram a ocorrer uma
vez por mês. Clarian não teve mais apneia do sono e atualmente
está sendo alfabetizada.
Para manter o controle dos sintomas da doença da menina, Cidinha,
como é mais conhecida, e seu marido, passaram a cultivar plantas de
maconha em casa, para extrair o óleo e tratar a filha. Só há um ano
conseguiu na Justiça um habeas corpus que garante o cultivo para fins
medicinais. “Nosso medo era de a Justiça determinar a destruição das
plantas que foram para frente depois de tanta dificuldade no cultivo. E
se destruíssem, de onde iríamos tirar o óleo?”, questiona Cidinha,
presidente da Cultive Associação de Cannabis e Saúde, que há um
ano a família obteve o habeas corpus na Justica. A Cultive é uma
entidade que luta pela regulamentação da cannabis para uso medicinal.
Com histórico semelhante, Bruna Fernanda Dias Lima Moraes, presidenta
da Associação Humanitária Cannabica do Brasil, é mãe de autista. O
filho Mateus, que atualmente vai bem na escola, onde tem muitos amigos, e
se tornou carinhoso com os irmãos e as pessoas, não lembra a criança
que só aos 5 anos começou a balbuciar palavras difíceis de entender.
Tampouco que vivia em meio a tamanha agressividade, urrando, batendo a
cabeça na parede ou quebrando porta, móveis e utensílios em casa. “Sem
contar que ele viveu diversas crises asmáticas, com insuficiência
respiratória, que quase o matou”, conta Bruna. “A cannabis tem de ser a
única opção para tratar o autismo. Essa é a nossa luta e não vou
desistir.”
Cidinha e Bruna participaram na tarde de hoje (11), na Câmara dos
Vereadores de São Paulo, de um fórum que apresentou o sucesso em
tratamento de diversas doenças com o uso medicinal da maconha. O
objetivo do evento, promovido pelo mandato da vereadora Soninha
Francine (PPS), foi discutir a necessidade de regulamentação do cultivo
da cannabis e da produção de extratos da planta, bem como de uma
política de redução de danos para ser incorporada à legislação
brasileira.
Apesar de a ciência comprovar que determinados compostos da planta
são eficazes no tratamento de diversas doenças, pacientes e usuários
ainda são tratados como criminosos no Brasil e têm de recorrer à Justiça
para obter licença para cultivar a planta, o que torna a obtenção do
extrato mais em conta do que a importação.
Os bons resultados do uso do óleo da maconha para tratar sintomas e
consequências de doenças cardiovasculares, desordens mentais,
neurológicas – entre elas o autismo – e inflamatórias, além de doenças
metabólicas e câncer foram abordados pela médica neuro-oncológica Paula
Dall'Stella, o neurocirurgião Pedro Antonio Piero Neto, a psiquiatra
Eliane Guerra Nunes e a farmacêutica Renata Monteiro Dantas Ferreira.
Um dos principais nomes em todo o mundo na pesquisa com a cannabis, o
professor emérito da Escola Paulista de Medicina, Elisaldo Carlini,
defendeu a regulamentação do plantio e produção do óleo no país. "O
ministério da Saúde holandês comprou uma fazenda e cultiva a planta com
rigor científico e segurança, para distribuir às farmácias. E no Brasil o
avanço é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) retirar o
canabidiol do rol de substâncias proibidas e o reclassificar como
substância de uso controlado, regulamentando a importação do óleo. Não
por acaso está para ser vendido no país o Sativex", apontou Carlini.
O custo do medicamento, estimado entre R$ 1.500 e R$ 3.000 o
vidrinho, esteve no centro da crítica dos especialistas. "Não deve mesmo
ter sido por acaso que a Anvisa mudou a classificação do canabidiol, em
2015", disse a farmacêutica Renata Monteiro Dantas Ferreira.
A psiquiatra Eliane Guerra Nunes defendeu a planta como prioritária
no tratamento do autismo, bem como seu uso em relação à epilepsia.
"Estudos mostram que outras substâncias presentes na planta, e não
apenas o canabidiol, são benéficas no tratamento", disse. Para ela, a
cannabis deve ser defendida também pelo avanço do canabidiol sintético,
que deverá chegar ao Brasil em breve.
Brasil 247

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