A maconha medicinal já é uma
realidade no Brasil: mais de 78 mil unidades de produtos à base da
planta foram importados pelo país desde que a Anvisa (Agência Nacional
de Vigilância Sanitária) autorizou o uso terapêutico de canabidiol em
janeiro de 2015.
O canabidiol (CBD), um dos principais componentes
da maconha, até então estava na lista de substâncias proibidas pela
agência reguladora. Com o desenvolvimento de pesquisas sobre seu uso
para tratamento dos sintomas de diversas doenças, a Anvisa reconheceu o
potencial para tratamentos e colocou o composto na lista de substâncias
controladas, abrindo caminho para sua importação e para que laboratórios
aprofundassem os estudos sobre o tema.
O CBD normalmente é vendido em forma de um óleo extraído da planta da maconha, a Cannabis, por meio de um processo artenasanal.
Também
é possível comprá-lo com um nível maior de processamento, mas
medicamentos específicos precisam de autorização individual da Anvisa. O
primeiro a ser aprovado foi o Mevatyl, um spray produzido na
Grã-Bretanha pela GW Pharma. Ele pode ser indicado para tratamento de
contração muscular ligada a esclerose múltipla.
Desde 2015, os
produtos derivados da maconha foram prescritos por mais 800 médicos
brasileiros. Cada paciente também precisa solicitar liberação à Anvisa
para adquirir o medicamento. Hoje, 4.617 pessoas já têm autorização para
importar para uso próprio.
Os dados são da própria Anvisa e
foram obtidos via Lei de Acesso à Informação pela Plataforma Brasileira
de Política de Drogas (PBPD), uma rede de diversas organizações
não-governamentais que discute a questão das drogas.
Fazem parte da rede entidades como o grupo do Programa de Álcool e
Drogas da Fundação Oswaldo Cruz, a Associação Juízes pela Democracia, a
Conectas Direitos Humanos, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais,
o Instituto de Defesa do Direito de Defesa e a Pastoral Carcerária,
entre outros.
Demanda
"O número de importações mostra que já existe um grande mercado para
maconha medicinal no Brasil", afirma Gabriel Elias, o coordenador de
Relações Institucionais da PBPD.
O preço mínimo de cada um dos
produtos é cerca de US$ 70 (R$ 250), sem contar as taxas de transporte e
importação. Produtos com maior processamento são ainda mais caros – o
Mevatyl sai por R$ 2.896 reais (uma caixa contendo três frascos de 10
ml).
"Isso dá um mercado de milhões de dólares que poderiam estar indo pra indústria brasileira", afirma Elias.
A
PBPD defende que regular a produção da substância no Brasil traria
outras vantagens, como baratear e facilitar o acesso de pacientes que
precisam do princípio ativo e permitir a regulação da qualidade dos
produtos.
A maioria dos derivados de maconha importados pelo Brasil não tem
indicação, por exemplo, da concentração de canabidiol ou de THC (outra
substância presente na planta e responsável pelos efeitos
psicotrópicos). Eles são comprados principalmente dos EUA, mas também de
países como Canadá e Holanda.
Muitas etapas
O processo para conseguir o produto não é simples - é preciso obter
uma receita especial com o médico e passar por diversas etapas de
autorização da Anvisa para a importação. Com a liberação em mãos, é
possível comprar os produtos em sites internacionais e encaminhar a
permissão de entrada para a Receita Federal.
Para Margarete Brito,
da Associação de Apoio à Pesquisa e a Pacientes de Cannabis (Apepi), o
acesso ainda é muito difícil, tanto pelo preço quanto pelos entraves
burocráticos.
"Muitas famílias não conseguem importar e muitas
vezes acabam comprando dentro de um mercado ilegal", diz ela. "Muitos
médicos nem prescrevem porque sabem que o paciente não vai conseguir
comprar o medicamento".
O alto preço do tratamento pode onerar inclusive os cofres públicos.
Diversos pacientes já foram à Justiça pedir para que o SUS (Sistema
Único de Saúde) banque o tratamento - foram 46 casos só em 2016, segundo
o Ministério da Saúde.
Os derivados de maconha para tratamentos
de saúde costumam ser feitos a partir do óleo extraído da planta através
de um processo simples, que é possível de ser feito em casa.
Brito
é uma das poucas pessoas que têm autorização da Justiça para cultivar
cannabis em casa, já que seu filho, que tem epilepsia, recebeu
prescrição para o tratamento com os derivados da maconha.
Há
cerca de 20 pessoas que conseguiram habeas corpus preventivos no Brasil
para cultivar a planta para fins medicinais - mas elas não podem
compartilhar nem vender. Eles foram concedidos para casos de epilepsia,
câncer e Mal de Parkinson.
O diretor-presidente da Anvisa, Jarbas
Barbosa, já disse ter interesse em regular o cultivo da Cannabis no
Brasil para uso em pesquisas até o fim deste ano. Neste ano, a agência
liberou o preenchimento dos formulários por e-mail para facilitar a
importação.
Uso ou abuso
Os produtos derivados da maconha são usados para tratar sintomas de diversas doenças.
Estudos já mostraram que eles reduzem convulsões em pacientes com
epilepsia, por exemplo. O tratamento é indicado em casos de pessoas que
não responderam a outros tratamentos.
Produtos derivados da
maconha também são receitados a pacientes de câncer para diminuir a dor
provocada pela doença e aumentar o apetite de quem sofre de aids ou faz
quimioterapia. Os efeitos podem variar bastante de paciente para
paciente.
Se, por um lado, pesquisas revelaram os efeitos
benéficos de derivados da planta, do outro, foram apontados riscos no
uso recreativo da droga. Segundo o Ministério da Saúde, fumar maconha
frequentemente pode prejudicar a memória, irritar o sistema respiratório
e aumentar as possibilidades de desenvolver câncer de pulmão, entre
outros.
BBC Brasil




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