A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) vai desenvolver um projeto de pesquisa para o uso medicinal da Cannabis sativa (maconha). A proposta prevê um conjunto de atividades, que vão desde análises de
formas de cultivo da planta, metodologia para extração de substâncias
ativas, testes clínicos e controle de qualidade até desenvolvimento do
medicamento.
O trabalho prevê investimento de R$ 3,4 milhões – os R$ 400 mil iniciais
seriam recursos da própria fundação. O restante deverá fazer parte de
linhas de crédito disponíveis para a instituição a partir do próximo
ano, de acordo com informações do coordenador do Grupo de Trabalho
Cannabis Medicinal da Fiocruz, Hayne Felipe da Silva. O coordenador
esteve reunido semana passada com o secretário executivo do Ministério
da Saúde, Adeilson Cavalcante. O aporte de recursos, segundo a pasta,
está em negociação.
A meta primordial do Grupo de Trabalho da Fiocruz é o desenvolvimento
de um fitoterápico para epilepsia refratária, denominação dada para a
forma da doença de difícil controle com medicamentos atualmente
disponíveis no mercado.
O projeto da Fiocruz é um dos que aguardam a regulamentação da Agência Nacional de Saúde ( Anvisa ) para o plantio de maconha com fins medicinais e para pesquisa no País.
“Sem essa autorização, não podemos colocar em prática a pesquisa.
Somente vamos trabalhar com folhas plantadas no País”, disse Felipe da
Silva.
O primeiro passo para a regulação na Anvisa deverá ser dado em
julho, com a apresentação na reunião da diretoria colegiada de um
documento batizado de “proposta de iniciativa”. Ao Estado,
o presidente da Anvisa, Jarbas Barbosa, disse acreditar que, uma vez
apresentada tal proposta, a discussão não deverá ser longa. “O assunto
vem sendo discutido há tempos pela agência.”
Para Barbosa, a regulamentação do plantio da maconha no País para
fins de pesquisa ou para fabricação de remédios poderá reduzir de forma
expressiva o valor gasto atualmente por pacientes para se tratar com
produtos à base de derivados da Cannabis. “Temos algumas famílias que
ganharam na Justiça o direito de cultivar em casa a planta para fazer o
extrato, justamente para tornar mais acessível o tratamento.” A proposta
de iniciativa de regulação, no entanto, não vai tratar do plantio
artesanal. “Esse assunto é do Legislativo. O que vamos fazer é apenas
regulamentar algo que a lei já permite: o plantio para uso medicinal e
pesquisa.”
O texto que será levado para consideração da diretoria colegiada da
Anvisa prevê uma série de requisitos no plantio. Vão desde a iluminação e
irrigação, indispensáveis para se garantir a qualidade e um padrão do
extrato de canabidiol, até a segurança que deve ser feita na área
plantada. As exigências variam de acordo com a finalidade do plantio, a
pesquisa ou a produção de medicamentos.
Farmacopeia
Ano passado, a Cannabis foi incluída na lista de plantas medicinais da
Anvisa. A mudança abriu caminho para que a planta possa integrar a
farmacopeia brasileira, publicação que detalha como sua fabricação deve
ser feita, e para que fabricantes peçam registro de medicamentos.
Para lembrar
Em janeiro do ano passado, a agência aprovou o primeiro medicamento com
substâncias derivadas da maconha no Brasil. Registrado como Mevatyl, o
remédio é vendido em outros países com o nome de Sativex. Ele é indicado
para o controle de sintomas da esclerose múltipla em pacientes que não
respondem a outros tratamentos. A agência também já permite a importação
de produtos à base de canabidiol, em associação com outros
canabinoides.
Plantio em casa será debatido no Senado
A regulação pela Anvisa do plantio da maconha para pesquisa e para o
desenvolvimento de medicamentos pode ajudar a reduzir o custo da terapia
no País, afirma Margarete Brito, integrante da Associação de Apoio à
Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi). A estimativa é de
que o tratamento com extratos com canabidiol, uma das substâncias
presentes na maconha, custe entre R$ 1 mil e R$ 5 mil por mês. “Com
produção nacional, esse valor certamente vai cair.”
Mas ela avalia que, além da regulamentação da Anvisa, seria essencial
a existência de uma lei para permitir o plantio doméstico de Cannabis
sativa para o preparo doméstico do extrato usado por pacientes. Uma
audiência pública sobre o assunto está marcada para amanhã, no Senado.
Há quatro anos, Margarete iniciou o tratamento da filha, Sofia, que tem
uma doença genética. Ao lado de outros familiares de pacientes,
Margarete liderou um movimento bem-sucedido pela liberação da importação
do produto pela Anvisa.
Há dois anos, diante de dificuldades na importação e com risco de
ficar sem o extrato, Margarete decidiu iniciar o plantio em casa.
Conseguiu autorização na Justiça e passou a auxiliar outras famílias na
atividade. Todos com autorização da Justiça. “Em casa, o investimento
pode ser mínimo.”
Pelo menos 150 pessoas já fizeram cursos coordenados pelo seu grupo
para orientar a melhor forma do plantio. “Além de facilitar o acesso, o
extrato doméstico pode dar mais fôlego na terapia”, conta. A experiência
das famílias mostra que o uso por longos períodos faz com que o extrato
importado, aos poucos, perca sua eficácia. As famílias notam que com o
uso intercalado há um ganho na qualidade de vida do paciente.
De acordo com Margarete, ainda há várias perguntas que precisam
ser respondidas sobre efeitos colaterais e interações. “E isso novos
estudos poderão responder.”
Estadão

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